Senhor motoqueiro, papai ou não

Bruno Pessa
2 min readFeb 19, 2021

Senhor motoqueiro, acelerador da noite, que corre na avenida vizinha de casa, eu tenho um pedido:

Não corre desse jeito a ponto de fazer tanto barulho. O estrondo dessa tua moto é capaz de acordar todos os bebês de sono leve. Por acaso, um deles está aqui no cômodo ao lado. Não, é óbvio que não é por acaso.

Senhor motoqueiro, se também és papai, sabes da minha angústia, cada vez que um ruído estoura a poucos metros de distância do bercinho do bebê. Ou não sabe, se nunca dividiste com a mãe do teu filho o desafio de manter o soninho intacto nessa delicada fase da infância. Mas mesmo assim não precisa desenhar muito para que imagines a dureza da missão.

Senhor motoqueiro, se não sabes o que é ser pai de um indivíduo de poucos meses, tenta te colocares no lugar de um. Eu ajudo: esse pequeno ser humano precisa de muitas horas de sono. Muitas. Com 3 ou 4 meses de vida, por exemplo, o bebê precisa de 15 horas de sono (mais da metade das 24 que tem o dia, como sabemos), sendo 10 horas durante a noite e as demais divididas pelas sonequinhas diárias.

Outra informação importante para teu governo: além de dormir muito, o bebê dorme cedo. Aqui e em vááárias outras casas com bebês. Quando está acordado, precisa de alguém por perto sempre, cuidando e olhando, além da mãe para amamentar. Mobilizados o dia todo em função do herdeiro, os pais costumam colocar o bebê para iniciar a noite de sono cedo, afinal já estão cansados quando dá 7, 8 da noite, e precisam de algumas horas livres para descanso e afazeres de adultos, ou seja, cuidarem um pouco de si.

E tem outro detalhe, aliás mais rotina do que raridade: não basta, via de regra, botar o bebê cheirosinho, alimentado e acariciado, bocejando de sono, no escurinho da sua caminha, dar um beijinho de boa noite, fechar a porta do quarto e, pronto, missão cumprida. Não basta. Precisa de muito jeito, paciência, o peito sagrado da mamãe, colo, às vezes uma musiquinha, tudo favorável.

Tem dias que todo esse ciclo demora loooongos minutos, quiçá uma hora. Para, do nada, surgir uma moto desgraçada rasgando na avenida vizinha, barulho crescendo, bebê assustando do nada, acordando, chorando. Como não xingar?

Senhor motoqueiro, esse transtorno que causas à minha família só é perdoável quando estás correndo a trabalho ou em caso de emergência e precisa correr mesmo. Só quando não tem jeito mesmo. Mas mesmo assim tu precisas saber da agonia que tua moto causa aos pais de bebês.

Senhor motoqueiro, papai ou não, nunca corras por correr ou aceleres por acelerar, pelo simples prazer de fazer a moto roncar. Não tem prazer nenhum em acordar os filhos dos outros. Você gostaria que acordassem um filho teu sem necessidade?

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Bruno Pessa

Jornalista, doutorando em Comunic. Social, especialista em Jorn. Literário, youtuber de araque e outros quetais. Mais: naotevejeito.blogspot.com